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terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

O perigo dos Jabutis

O Jabuti é um réptil da família Testudinidae (primo das tartarugas e cágados) de casco convexo, pernas grossas e adaptadas à vida terrestre. Na cultura indígena o Jabuti é um herói mítico, e em sua homenagem temos o maior prêmio da literatura brasileira (o Prêmio Jabuti).

Além disso, no processo político brasileiro convencionou-se chamar de "jabuti" a inclusão de uma norma estranha à um determinado projeto de lei. Esta anedota é inspirada no ditado popular "jabuti não sobe em árvore", para definir algo que é estranho e não ocorre naturalmente.

A temática do "jabuti" está em alta neste momento devido ao debate sobre o garimpo ilegal e a chamada presunção de boa fé, um dispositivo que desobriga as instituições que compram minério de investigar a procedência daquele produto.

Como surgiu este dispositivo? O ano era 2013 e a então Presidenta da República sancionou uma Medida Provisória (MP) em que o objetivo principal era a ampliação do Programa Garantia-Safra, beneficiando agricultores prejudicados por estiagem ou excesso de chuvas.

Por motivos bastante questionáveis, um deputado atendeu à uma demanda da Associação da Comercialização de Ouro (ANORO) para incluir, no meio da MP do Programa Garantia-Safra, o dispostivo da presunção de boa fé, o qual na prática dificultou imensamente a fiscalização da procedência do minério.

Independente da responsabilidade desse deputado, o que chama a atenção é o fato do Congresso Nacional e do Executivo Federal sancionarem essa MP um tanto "exótica". Até mesmo um leigo acharia estranho tratar de garimpo e comercialização de ouro num projeto no qual o objetivo é apoiar o agricultor prejudicado por eventos climáticos.

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Insistindo no Erro: sobre juros subsidiados e industrialização.

Volta e meia, algum economista "bem intencionado" sugere um atalho para elevar a competitividade e promover o crescimento da indústria brasileira, a velha "fábula" dos juros subsidiados/reduzidos.

Em encontro recente na FEBRABAN, o atual presidente do BNDES levantou novamente esta questão, argumentando que a redução da TLP, taxa de juros dos empréstmos do BNDES, é essencial para a "reindustrialização" do Brasil.

Primeiramente, recomendo ao estimado Alozio Mercadante a leitura do artigo "What do state-owned development banks do? Evidence from BNDES", publicado no conceituado periódico World Development

Os autores concluem que os empréstimos do BNDES não aumentaram a performance nem os investimentos das empresas agraciadas pelo Banco Estatal. E o mais interessante, o artigo mostra que as empresas que receberam empréstimos poderiam realizar os projetos à taxas de mercado e/ou utilizando capital próprio.

A maioria das pessoas que já trabalhou na Tesouraria de uma grande empresa no Brasil não se surpreende com esse resultado. É comum que os diretores financeiros coloquem como meta financiar projetos com recursos do BNDES. 

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Reflexões dos 35

Economistas são conhecidos por fazer previsões e muitas vezes pelos erros nestes exercícios de "futurologia". Se me perguntassem no passado como seria minha vida hoje, minha previsão seria completamente errada, aumentando o erro de previsões deste economista que compartilha estas palavras.

Não preciso ir muito longe, se pegarmos aquela pergunta clássica de entrevista de emprego "como e onde você se imagina em 5 anos?", o ano seria 2017 e eu encontraria uma versão muito diferente da minha pessoa. 

Estava num momento de transição da área financeira para a área acadêmica, no meio do curso de Mestrado Profissional. Mesmo com grande simpatia pela carreira de professor pesquisador, não imaginava que as coisas teriam evoluído tão rápido nessa direção.

Em 2017 também estava num processo de mudança de cidade, após alguns anos morando e trabalhando no interior, retornei à capital de São Paulo em virtude de uma transferência de área e função na empresa na qual eu trabalhava. Naquela época minha previsão era de passar muitos anos naquela Companhia, consolidar minha carreira na área financeira e talvez me aposentar lá. Pois é, não aconteceu!

Também em 2017, houve perdas e términos dolorosos. Esse ano marcou o falecimento do homem que exerceu na minha vida a figura paterna que não tive do meu pai biológico. Perder meu padrinho tão jovem, também não estava nas minhas previsões. Paralelamente eu passava pelo processo de mudança do meu estado civil para um homem divorciado.

Foi difícil entender que um fim pode servir de recomeço, talvez em outro lugar e com outras pessoas, Estórias que se encerram são grandes aprendizados para as estórias que serão escritas. Pessoas podem decidir seguir por caminhos distintos, mas de certa forma uma parte delas fica conosco, a parte em que fomos modificados por ter convivido com estas pessoas.

Algo que hoje me entristece, e eu também teria errado feio numa previsão em 2017, é o atual estado de ânimos da sociedade brasileira, grande parte motivado por divergências políticas. Ter simpatia por partido ou liderança polítca sempre existiu e sempre existirá. Entretanto, jamais imaginava o atual quadro de "nós contra eles", como se fosse possível qualquer homem (presidente ou não) determinar quem está do lado certo e que está do lado errado da História. 

Inflamar o ódio entre brasileiros e simpatizar apenas com quem concorda contigo não ajuda em nada a resolver os problemas do país. Retrocedemos muito como sociedade, e pautas importantes como traçar um plano para recuperar o atraso na educação de milhares de crianças que sofreram com a precariedade das aulas online em escolas públicas estão em segundo plano diante de ideias controversas como homeschooling.

Esse exercício de reflexão revela que as coisas se desenrolam de forma muito diferente do que imaginamos e/ou planejamos. A esperança está no fato de que é possível se surpreender positivamente. Ninguém fica triste se a realidade se mostrar muito melhor do que a expectativa, e isso também ocorreu no meu caso. 

Eu tinha um certo desejo de ser pai, mas a sensação é muito mais maravilhosa do que eu projetava. Hoje, meu filho e minha namorada, me fazem feliz de uma forma que eu jamais imaginaria em 2017. Daqui em diante, a única previsão que gostaria de acertar é a de estar com eles num Brasil melhor do que este que vivemos hoje. 






sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Olha o Gás!!!

Não precisa ser economista para notar que tudo está caro.... mercado, gasolina, energia elétrica e também o botijão de gás

Nesse cenário pandêmico, em que a atividade econômica ainda patina e convivemos com uma alta taxa de desemprego, preços em alta são um grande complicador para todos os brasileiros, mas em especial para os mais pobres.

Alimentos e itens básicos como botijão de gás e energia elétrica comprometem uma parcela substancial da renda das famílias mais pobres. Além disso, os que são trabalhadores informais via de regra não recebem reajustes salarias atrelados aos índices de inflação, como acontece para os trabalhadores CLT e servidores públicos. 

Por fim, a maior parte da população pobre não é "bancarizada" ou possui uma reserva financeira, isto é, quando tudo fica mais caro, não há um valor na poupança para cobrir o rombo no orçamento, muito menos investimentos indexados aos índices de inflação para proteger estes trabalhadores da elevação de preços.

Assim, é fácil ver que passamos por um momento nada animador para os mais pobres no Brasil, alto desemprego, inflação em alta e mais de 500 mortes diárias decorrentes da Covid-19.

Nesse contexto é compreensível e até esperado que o Governo Federal intervenha de alguma forma para mitigar os efeitos nocivos da alta do preços dos produtos básicos, em especial em prol de populações vulneráveis como os beneficiários de programa assistencial.

sexta-feira, 9 de julho de 2021

Apelou Perdeu

Num passado distante, quando eu jogava bola descalço no campinho perto de casa, havia uma figura chave na peleja: o dono da bola!

Nem sempre o dono da bola era o melhor jogador, muitas vezes era justamente o oposto, um garoto com pouca habilidade futebolística mas com muita vontade de participar (além de recursos para comprar as famigeradas "bolas de capotão").

Ser o dono da bola lhe conferia algumas vantagens, em geral você podia escolher o time e era o último a ir pro gol em caso de revezamento, além do óbvio "poder" de saber que a partida só começa quando você chegar e se encerra quando você vai embora.

Uma situação chata, embora rara, era quando o dono da bola ficava "puto"por algum motivo e levava a redonda embora no meio da partida.

Os motivos mais comuns eram uma entrada mais violenta de um oponente ou uma derrota acachapante. A reação da geral era tachar o guri de mimado ou acusá-lo de não saber perder.

A moral da história é que, embora haja um acontecimento que lhe chateie, seja uma entrada dura ou a superioridade do oponente, acabar com o jogo é uma saída covarde. Em outras palavras, fica a impressão de que o jogo só faz sentido ser jogado quando lhe é favorável.

O atual Presidente da República é alguns anos mais velho que este escriba, infelizmente não tive a oportunidade de enfrentá-lo numa partida com gols marcados por chinelos e/ou pedras e traves improvisadas com tocos de madeira.

sábado, 17 de abril de 2021

Mais Pragmatismo

Você prefere ganhar R$ 50 por dia com certeza ou todo dia participar de uma loteria com 50% de chances de ganhar R$ 100 e 50% de chances de ganhar R$ 0?

Em termos de racionalidade econômica, estas duas alternativas são equivalentes, mesmo numa loteria em média os indivíduos vão ganhar R$ 50. Alguns dias ganharão R$ 100, em outros R$ 0 mas no longo prazo em média os ganhos diários serão de R$ 50.

A preferência por um ou outro cenário diz muito sobre a aversão de risco das pessoas, indivíduos que prezam por segurança e estabilidade muito provavelmente optarão por ter um rendimento certo à correr o risco de uma loteria. 

Já pessoas com maior atração ao risco podem optar pela loteria, talvez guiadas pela sensação de que possuem mais sorte ou simplesmente pelo fato de gostar da adrenalina e sensação de ter um rendimento mais elevado em alguns dias.

Outra questão interessante sobre finanças e comportamento é a escolha entre comprar à vista ou à prazo. O determinante aqui é um pouco mais sútil, a impaciência dos indivíduos. Grosso modo, pessoas mais "ansiosas" preferem pagar à vista, mesmo que não haja qualquer desconto pela antecipação do pagamento.

Do lado do vendedor o raciocínio é simétrico, os mais "ansiosos" vão estimular vendas à vista e até oferecer descontos para que o comprador pague no ato da compra. Outra estratégia é cobrar juros daqueles que optarem por inúmeras e suaves prestações.

Aqui a taxa de juros é um sinalizador da "impaciência", quanto mais ansiosos os compradores e vendedores num mercado, maiores os juros para as compras parceladas ou, de forma análoga, os descontos solicitados para pagamento à vista. 

sexta-feira, 26 de março de 2021

Sobre Perdas Mensuráveis e Imensuráveis

Quando se estuda modelos econômicos de criminalidade e vitimização, um fator que é muito difícil de mensurar é a perda de bem estar decorrente da probabilidade de ser vítima de um crime.

Trocando em miúdos, provavelmente há muitas pessoas que numa noite de verão gostariam de andar tranquilamente no calçadão da praia, no entorno da lagoa ou num parque, mas pelo medo de serem assaltadas (ou algo pior) simplesmente optam por ficar em casa.

Na realidade brasileira e de outros países com alta criminalidade isso é algo muito latente. Vivemos num contexto em que é normal criarmos táticas para tentar minimizar as possíveis perdas com crimes.

Por exemplo, muitos evitam sair com dinheiro em espécie e mais de um cartão de crédito na carteira ou possuem um celular reserva para levar em festas, uma espécie de preparação de bens que se forem furtados/roubados não nos prejudiquem tanto.

Em outros casos como o risco de ser agredido e/ou violentado não há muita alternativa que não seja se abster de programas sociais à certas horas da noite ou em certas localidades tidas como "perigosas".

Em síntese, a insegurança impõe uma restrição ao consumo e bem estar dos indivíduos.

Em tempos pandêmicos, o paralelo desta restrição ao consumo é bem direto. Medidas de distanciamento limitam o deslocamento das pessoas e consequentemente a possibilidade de desfrutar da corrida matinal no parque, o fim de tarde na praia e a resenha com os amigos no buteco da esquina.

Entretanto, há algumas particularidades. 

Por um lado, uma pessoa dificilmente anda tranquila com um celular caro e um relógio importado tarde da noite numa rua pouco iluminada, porém, ainda hoje vejo que é difícil para muitos compreender que estar na rua ou em aglomerações (num contexto de caos na saúde pública) é se expor à uma ameaça tão ou mais letal que um roubo/furto.