Volta e meia, algum economista "bem intencionado" sugere um atalho para elevar a competitividade e promover o crescimento da indústria brasileira, a velha "fábula" dos juros subsidiados/reduzidos.
Em encontro recente na FEBRABAN, o atual presidente do BNDES levantou novamente esta questão, argumentando que a redução da TLP, taxa de juros dos empréstmos do BNDES, é essencial para a "reindustrialização" do Brasil.
Primeiramente, recomendo ao estimado Alozio Mercadante a leitura do artigo "What do state-owned development banks do? Evidence from BNDES", publicado no conceituado periódico World Development.
Os autores concluem que os empréstimos do BNDES não aumentaram a performance nem os investimentos das empresas agraciadas pelo Banco Estatal. E o mais interessante, o artigo mostra que as empresas que receberam empréstimos poderiam realizar os projetos à taxas de mercado e/ou utilizando capital próprio.
A maioria das pessoas que já trabalhou na Tesouraria de uma grande empresa no Brasil não se surpreende com esse resultado. É comum que os diretores financeiros coloquem como meta financiar projetos com recursos do BNDES.
Para ilustrar este caso, um exemplo bem simples: suponha que a Empresa "A" pode investir o dinheiro que está no Caixa numa aplicação que rende juros de 13% a.a.. Ao mesmo tempo, o Diretor Financeiro da Empresa "A" obtém uma linha de crédito no BNDES à juros reduzidos de 10% a.a.
Nesse cenário, é tentador contratar a linha de crédito do BNDES. Afinal, se você aplicar o montante, os juros recebidos de 13% a.a. serão maiores que os juros de 10% a.a. da sua dívida com o Banco Estatal.
Ah, mas a Empresa "A" não é obrigada a usar os recursos do BNDES para "reindustrializar" o Brasil? Esse é o pulo do gato, o que geralmente acontece é que a expansão de fábricas e aquisição de máquinas já seria realizada sem o dinheiro do BNDES. Os juros reduzidos aqui não estimulam novos investimentos, apenas tornam mais baratos os projetos que já estavam definidos.
Para quem estudou economia, é fácil lembrar que uma das hipóteses na qual se justifica a intervenção estatal é a existência de "falhas de mercado". No caso de um Banco Estatal, uma possível falha de mercado que justificaria a ação do BNDES seria o financiamento de empresas e empreendedores que possuem dificuldades de obter crédito em bancos privados.
Há bastante evidência na literatura de que restrições de crédito ("liquidity constraints") reduzem o empreendedorismo. Se for esta a ideia de Mercadante, ele deveria ser mais cauteloso nas suas declarações, e reforçar que o plano é financiar projetos de empreendedores e pequenas empresas.
Dada o péssima experiência com a política de campeões nacionais promovida pelo BNDES na gestão petista, seria pouco inteligente oferecer mais uma vez juros subsidiados para grandes empresas sob o pretexto de "reindustrialização" do país. Estaríamos (novamente) subsidiando grandes empresários que não precisam destes recursos.
Já é hora (de boa parte) da equipe econômica do atual Governo Lula pensar um pouco antes de falar, em especial sobre propostas e planos que são facilmente refutados por dados e evidências.
Não existe atalho para o crescimento do setor industrial no Brasil. Os projetos nesta área deveriam focar em investimentos em infraestrutura e capital humano que beneficiariam a produtividade da economia como um todo, e não apenas um grupo de empresas com acesso aos recursos do BNDES.
É compreensível a tentação por uma solução rápida. O investimento em estradas, portos, aeroportos, ferrovias e educação demora para ser traduzido em maior produtividade. Porém, políticas populistas que já se mostraram ineficazes podem até agradar meia dúzia de simpatizantes e empresários, mas não promoverão essa tal "reindustrialização".
Nenhum comentário:
Postar um comentário