O Jabuti é um réptil da família Testudinidae (primo das tartarugas e cágados) de casco convexo, pernas grossas e adaptadas à vida terrestre. Na cultura indígena o Jabuti é um herói mítico, e em sua homenagem temos o maior prêmio da literatura brasileira (o Prêmio Jabuti).
Além disso, no processo político brasileiro convencionou-se chamar de "jabuti" a inclusão de uma norma estranha à um determinado projeto de lei. Esta anedota é inspirada no ditado popular "jabuti não sobe em árvore", para definir algo que é estranho e não ocorre naturalmente.
A temática do "jabuti" está em alta neste momento devido ao debate sobre o garimpo ilegal e a chamada presunção de boa fé, um dispositivo que desobriga as instituições que compram minério de investigar a procedência daquele produto.
Como surgiu este dispositivo? O ano era 2013 e a então Presidenta da República sancionou uma Medida Provisória (MP) em que o objetivo principal era a ampliação do Programa Garantia-Safra, beneficiando agricultores prejudicados por estiagem ou excesso de chuvas.
Por motivos bastante questionáveis, um deputado atendeu à uma demanda da Associação da Comercialização de Ouro (ANORO) para incluir, no meio da MP do Programa Garantia-Safra, o dispostivo da presunção de boa fé, o qual na prática dificultou imensamente a fiscalização da procedência do minério.
Independente da responsabilidade desse deputado, o que chama a atenção é o fato do Congresso Nacional e do Executivo Federal sancionarem essa MP um tanto "exótica". Até mesmo um leigo acharia estranho tratar de garimpo e comercialização de ouro num projeto no qual o objetivo é apoiar o agricultor prejudicado por eventos climáticos.
A pergunta que fica então é: por que foi tão fácil aprovar um "jabuti"? Há algumas respostas para essa pegunta mas gostaria de destacar um ponto em especial, a classe política muitas vezes opta de forma propostital pelo caminho menos custoso, que via de regra demanda menor debate público.
Essa opção em geral é guiada pela crença de que: (i) o debate público atrasa a tramitação de projetos, (ii) muitas vezes reduz a probabilidade da aprovação de leis e também, uma visão um tanto quanto soberba, de que (iii) os acadêmicos e organizações não governamentais irão atrapalhar mais do que colaborar.
Quando a regulação de um mercado é "frouxa", há um potencial enorme para o sugimento de atividades ilícitas e aumento de criminalidade. O oposto também é verdade, aumentar a fiscalização e controle de alguns mercados tende a aumentar a formalização do setor e reduzir a possibilidade de exploração criminosa destas atividades.
Nesse sentido chama atenção uma iniciativa do Governo de São Paulo que aumentou o monitoramento e fiscalização de desmanches de veículos. Esta lei aprovada em 2014, pouco depois da MP do Programa Grantia Safra, exigiu que os donos de desmanches comprovassem ao DETRAN-SP a procedência de todas as peças comercializadas em seu estabelecimento.
O mecanismo aqui é muito claro, não é possível presumir a boa fé num mercado que pode ser explorado de forma ilícita. Neste caso o Governo de São Paulo dificultou muito a possibilidade de um desmanche comercializar peças de veículos roubados. Já temos alguns trabalhos mostrando a efetividade da lei na redução do roubo de veículos (inclusive um dos artigos da Tese deste escriba).
Agora é esperar que o debate sobre as dificuldades de fiscalizar o garimpo ilegal (com a atual regulação) chame a atenção dos políticos sobre o perigo de incluir um "jabuti" e atender a "demanda" de Associações e outras Organizações sem um cuidadoso debate com a sociedade. Quem sabe assim poderemos voltar a ressaltar a figura do "jabuti" como um simpático animal e símbolo de um prêmio literário, e não de uma manobra legislativa.
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