Quando se estuda modelos econômicos de criminalidade e vitimização, um fator que é muito difícil de mensurar é a perda de bem estar decorrente da probabilidade de ser vítima de um crime.
Trocando em miúdos, provavelmente há muitas pessoas que numa noite de verão gostariam de andar tranquilamente no calçadão da praia, no entorno da lagoa ou num parque, mas pelo medo de serem assaltadas (ou algo pior) simplesmente optam por ficar em casa.
Na realidade brasileira e de outros países com alta criminalidade isso é algo muito latente. Vivemos num contexto em que é normal criarmos táticas para tentar minimizar as possíveis perdas com crimes.
Por exemplo, muitos evitam sair com dinheiro em espécie e mais de um cartão de crédito na carteira ou possuem um celular reserva para levar em festas, uma espécie de preparação de bens que se forem furtados/roubados não nos prejudiquem tanto.
Em outros casos como o risco de ser agredido e/ou violentado não há muita alternativa que não seja se abster de programas sociais à certas horas da noite ou em certas localidades tidas como "perigosas".
Em síntese, a insegurança impõe uma restrição ao consumo e bem estar dos indivíduos.
Em tempos pandêmicos, o paralelo desta restrição ao consumo é bem direto. Medidas de distanciamento limitam o deslocamento das pessoas e consequentemente a possibilidade de desfrutar da corrida matinal no parque, o fim de tarde na praia e a resenha com os amigos no buteco da esquina.
Entretanto, há algumas particularidades.
Por um lado, uma pessoa dificilmente anda tranquila com um celular caro e um relógio importado tarde da noite numa rua pouco iluminada, porém, ainda hoje vejo que é difícil para muitos compreender que estar na rua ou em aglomerações (num contexto de caos na saúde pública) é se expor à uma ameaça tão ou mais letal que um roubo/furto.
Talvez a diferença na percepção seja ligada a fatores psicológicos. De certa forma os indivíduos conseguem mensurar (mesmo que imprecisamente) a perda objetiva de ter um celular ou carro roubado porém é muito mais difícil mensurar o impacto de um vírus no organismo.
Evidentemente os números de mortalidade e os diversos casos de amigos e conhecidos vítimas da pandemia deveriam ser mais do que suficientes, porém, minha impressão é que mesmo após 1 ano, muitas pessoas ainda não conseguiram incorporar de forma crível o vírus como uma ameaça letal.
Posto de outra forma, há tempos, crianças e jovens são de certa forma "doutrinados" a se proteger da violência ("evite andar sozinho à noite", "não aceite nada de estranhos", etc.) enquanto, aparentemente, ainda estamos aprendendo que o uso de máscaras, higienização das mãos e distanciamento social serão o "novo normal" para nos proteger da ameaça chamada covid-19.
Por fim, sabemos que este esforço de compreensão e execução das medidas de distanciamento não é uma tarefa fácil em termos práticos e socioeconômicos, entretanto, é o que temos de melhor no momento, num contexto de vacinação claudicante, hospitais abarrotados e mais de 2 mil mortes diárias em consequência do vírus.
É difícil mensurar a perda decorrente dos abraços não dados, dos risos não compartilhados e da saudade do calor humano. Entretanto, hoje mais do que nunca, é importante um esforço de todos em prol do bem estar coletivo.
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