Quem não tem Colírio Usa Óculos Escuro, célebre refrão da música Como Vovó já Dizia de Raul Santos Seixas, caracteriza de forma exemplar a habilidade tupiniquim na Arte do Improviso. A música continua com outras alusões antológicas tais como Mas a chuva é minha amiga e não vou me resfriar e A formiga só trabalha porque não sabe cantar.
Usar óculos escuros numa situação de irritação nos olhos pode parecer uma boa alternativa mas também pode ter consequências nefastas como por exemplo no caso desta irritação ser um primeiro sintoma duma doença que deveria ser tratada de forma mais criteriosa desde o início para elevar a probabilidade de cura.
De volta ao mundo econômico brasileiro vamos lembrar do fatídico dia 23/jan/2013 e recordar o pronunciamento do governo federal (vídeo em destaque abaixo) sobre a redução média do custo da Energia Elétrica em 18% para residências e de 32% para indústrias. Qualquer pessoa física ou
jurídica em sã consciência ficaria contente em saber que no dia seguinte a "conta de luz" estaria mais barata e essa redução possibilitaria maior consumo/investimento por parte das famílias e empresários.
jurídica em sã consciência ficaria contente em saber que no dia seguinte a "conta de luz" estaria mais barata e essa redução possibilitaria maior consumo/investimento por parte das famílias e empresários.
Nessa linha de pensamento a Presidente da República confiante na sua Tese bradou de forma retumbante (munida de seu "óculos escuro") contra as previsões alarmistas: "Estamos vendo como erraram os que diziam meses atrás que não iríamos conseguir baixar os juros nem o custo da energia e que tentavam amedrontar o nosso povo…"
Mas o que houve de lá para cá com as tarifas de energia elétrica? O Gráfico abaixo mostra a evolução da tarifa residencial cobrada por 3 grandes concessionárias do Estado de SP (fonte: Aneel):
Primeiramente algumas ressalvas são válidas:
I - o leitor mais curioso pode questionar se por coincidência foram selecionadas as únicas empresas que aumentaram as tarifas e portanto essa amostra seria viesada; aqueles que se interessarem podem acessar o link no site da Aneel para confirmar que dentre as 64 concessionárias disponíveis o resultado não difere muito do acima.
II - adicionalmente o objetivo aqui é testar a Hipótese "O Custo da Energia Elétrica de fato caiu?" e para isso esta amostra já pode confirmar que, pelo menos, a redução não atingiu à todas as regiões, consumidores e empresas.
A linha tracejada marca a data do pronunciamento do Governo e de fato nos meses posteriores observa-se uma redução de 18% nas tarifas cobradas pela Bandeirante e Eletropaulo e cerca de 11% no caso da Elektro. Agora reparem que menos de 1 ano após o anúncio as tarifas começam a se elevar e no mês de jul/15 o custo da energia elétrica residencial comparado àquele vigente antes do anúncio (jan/13) é superior para as três empresas (Bandeirante +24%, Elektro +44% e Eletropaulo +50%). Por que o tiro do governo saiu pela culatra?
Vamos imaginar que somos o Presidente da República e vamos à uma pizzaria de alto padrão destas nas quais uma pizza Caprese (mussarela de búfala, tomate caqui, manjericão e pesto de azeitona) custa em média R$ 70,00. A pizza é deliciosa e você acredita que esta deveria ter um preço mais acessível para facilitar o consumo da população de menor renda. Dotado das melhores intenções você ordena ao Chef que a partir de amanhã ele venda a mesma pizza por R$ 30,00 com as seguintes condições:
I - não é permitido diminuir a qualidade ou trocar ingredientes
II - não é permitido diminuir o tamanho ou a quantidade de pizzas produzidas
O Chef vive um dilema, como recusar o pedido do Presidente? Ou pior, caso recuse, será que o Alvará de funcionamento da pizzaria será renovado? Após refletir um pouco ele aceita o pedido do governo e reduz o preço da Caprese.
A medida é um sucesso, milhares de consumidores degustam a famosa pizza à um preço agora acessível; a redução no preço permite inclusive saborear as entradas e sobremesas da pizzaria. Porém, no escritório administrativo o Chef percebe algo um tanto quanto óbvio, a redução no preço diminuiu a receita da pizzaria e como não é possível alterar nem a qualidade (substituir por exemplo mussarela de búfala por ricota) nem a quantidade das pizzas (limitar por exemplo à 50 Caprese por dia) o estabelecimento não possui mais recursos em Caixa para pagar Salários, Impostos e Tarifas e etc.
Respeitando o acordo firmado com o Presidente o Chef não eleva o preço da pizza mas decide tomar um Empréstimo Bancário para pagar os compromissos da Pizzaria. No mês subsequente, a Caprese continua R$ 30,00 e ao perceber que faltará dinheiro novamente o Chef solicita um novo empréstimo ao Banco. Este ciclo se repete até o ponto que o endividamento do estabelecimento é tão elevado que os Bancos começam a limitar novos empréstimos. Como resultado não resta outra alternativa além de solicitar ao Presidente que o acordo inicial seja desfeito e que o preço da Caprese seja reajustado.
A analogia é um tanto quanto ingênua mas descreve as dificuldades em reduzir custos estruturais via decreto/regulamentação. Ao alterar as tarifas cobradas pelas concessionárias sem nenhuma alteração permanente na estrutura de custos destas empresas o governo minou a rentabilidade do Setor e como não há a alternativa de distribuir energia elétrica em menor quantidade as empresas recorreram à vultuosos empréstimos bancários para manter a operação.
Há um último ponto que é importante destacar; integrantes do Governo Federal alegam que o aumento de preços não ocorreu devido à Lógica da Pizza Caprese descrita acima mas única e exclusivamente ao fato da forte estiagem ocorrida em 2013-14. Logicamente a falta de chuva impacta no custo da energia uma vez que, resumidamente, a queda nos reservatórios das Hidrelétricas aciona a geração de energia nas Termelétricas (movidas a carvão) a qual possui um custo superior. No nosso exemplo do Pizzaiolo seria uma forte elevação do preço da mussarela de búfala devido a diminuição no rebanho deste bovino. Esse argumento possui validade mas não pode ser o único responsabilizado na trajetória do custo da energia elétrica pois, caso as tarifas não fossem reduzidas, as empresas do Setor possuiriam maior capacidade (e caixa) para lidar com a "Seca" e os gastos na aquisição de Energia das Termelétricas.
Onde estaria o colírio para este caso? Abordaremos este tópico num post futuro mas é consenso entre vários economistas que a redução de custos de forma perene na Economia é obtida com o aumento da produtividade. Imagine por exemplo se o Chef no nosso exemplo implantasse um choque de gestão, investisse em sistemas de gestão de estoque e cotação de fornecedores, treinamento de pizzaiolos, aquisição de fornos mais eficientes e implantação de regime de metas por desempenho os efeitos de uma redução de preço com esta estratégia certamente seria muito mais sólido do que uma redução de preços imposta por decreto/lei.
(também faz parte da música) Como Vovó já Dizia, "Quem Não tem Visão Bate a Cara Contra o Muro"
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