O post de
hoje segue uma linha diferente dos anteriores, gostaria de destacar um artigo de Amir Khair (engenheiro e mestre em Finanças Públicas pela FGV e pelo que
escreve um ávido Economágico) no Estadão. Um grande amigo meu diz que debates
com pessoas desse tipo servem (pelo menos) como uma experiência antropológica
dada a convicção cega, peculiaridade e em geral pouco (ou nenhum) rigor teórico
no raciocínio das mesmas.
Vamos então
destrinchar como funciona a cabeça de um Mestre Cuca do Almoço Grátis:
Ponto I –
Comece com Dados e Argumentos Irrefutáveis
O artigo
começa aparentemente neutro, citando as dificuldades do Ajuste Fiscal num
Cenário de Recessão. O Produto Interno Bruto (PIB) em queda reduz a Arrecadação
Tributária e soma-se à isso a atual elevação da Taxa Básica de Juros (SELIC),
geradora dum aumento nas despesa financeira do Estado. Até aí tudo bem...
Ponto II –
"Para todo problema complexo, existe uma solução clara, simples e
errada" - George Bernard Shaw
Avançando
na leitura num passe de Economágica todos os problemas podem ser resolvidos ao:
• "Reduzir os Juros e Aumentar a
Quantidade de Moeda na Economia"
• "Vender US$ 100 bilhões das Reservas
Cambiais"
•"Limitar a Autonomia do Banco
Central que hoje “goza de plena liberdade em praticar a Selic que bem
entender"
Aqui Amir
já começa a abrir as portas de seu restaurante e pendurar a placa de Almoço
Grátis para Todos na entrada do estabelecimento. Fica a pergunta, por que
ninguém pensou nisso antes? Será que os Manuais de Economia não se aplicam ao
Brasil? Por que o Sr. Khair não está como Ministro da Fazenda limitando este
Banco Central irresponsável que ousa aumentar os Juros para Conter a Inflação?
Ponto III –
Nada nessa Manga
Posteriormente
ocorre o que os Mágicos (e Economágicos) chamam de “A Promessa” ou o Primeiro
Ato de um Truque, momento no qual a atenção do público é direcionada para um
certo ponto enquanto o que realmente importa não está em foco.
Vamos
lembrar que o Banco Central no exercício de suas atribuições procura manter a
inflação na meta de 4,5% a.a (medida pelo IPCA do IBGE). com uma margem de
tolerância de 2 pontos percentuais. Como
atualmente este índice está superior à 9% nos últimos 12 meses é natural que um
Banco Central responsável busque dentro dos instrumentos possíveis trazer a
inflação para o centro da meta. Tradicionalmente o instrumento utilizado é a
elevação da Taxa de Juros visando desestimular o consumo/demanda e assim
reduzir os preços.
Mas Amir
tira um vistoso Coelho da Cartola e atesta que “80% da inflação não depende do
Banco Central”. Isso porque segundo este Houdini Tupiniquim:
•“A inflação de serviços é comandada
pelo mercado de oferta e demanda, pois são milhões de ofertantes e de
demandantes, se assemelhando a um mercado perfeito” e “O legado do governo Lula
ao acrescentar cerca de 40 milhões de novos consumidores na calasse C fez
crescer a demanda em velocidade superior à oferta, mas aos poucos isso se
ajusta com a entrada de novos ofertantes”
• "Outro componente do IPCA são
os alimentos que respondem por 25% dos preços no IPCA e o que comanda os preços
é o clima."
•"O terceiro componente do
IPCA, com peso de 20%, são os preços administrados pelos governos federal,
estadual e municipal, que não dependem do BC."
E a Mágica
entra no Segundo Ato, o “Momento da Virada”, Amir transforma algo simples em
algo extraordinário! Após o balançar da Varinha Economágica parece
inacreditável achar que a Selic e o Banco Central possuam impacto relevante no
Controle da Inflação. Aliás, seguindo esta linha, por que então existe uma
Autoridade de Política Monetária como o BACEN se sua atuação é praticamente
inócua?
Ponto IV –
A Apoteose
O Terceiro
Ato da Mágica chamado de "Apoteose" é o fechamento do truque com
louvor, não basta tirar um coelho da cartola vazia, a Economágica só terá
sucesso se o fizer sumir novamente, para delírio da platéia. O Grand Finale
consiste então em passar o receituário para um crescimento sustentável:
• “Posicionar o Mais Rápido a SELIC
ao nível da Inflação” - atualmente seria baixa-la de 14,25% a.a para 9,55% a.a,
o IPCA acumulado em 12 meses
• “Posicionar o Câmbio no Lugar (ao
redor de R$ 4.50/US$)" - não me pergunte como ele chegou ao
"lugar" do câmbio
Palmas para
Amir Khair! Todos os problemas econômicos foram resolvidos em 13 parágrafos com
a simplicidade da receita de uma Omelete.
Vamos
testar uma simples hipótese apresentada no texto para verificar se é possível
dar algum crédito aos argumentos do autor:
Teste de
Hipótese – A Inflação de Serviços se Ajusta aos poucos com a Entrada de Novos
Ofertantes
As linhas
do gráfico abaixo mostra o Comportamento da Inflação de Serviços medida pelo
IPCA para o item 7.Despesas Pessoais (Cabeleireiro, Serviços Bancários, Cinema,
Hotel, etc) e 8.Educação (Creches, Ensino Básico ao Superior, Cursos de
Qualificação, Jornais/Revistas, etc) e as Barras a Taxa de Desocupação Total
(em %) medida pelo IBGE.
De jan/12
até jul/15 os itens Despesas Pessoais e Educação cresceram cerca de 37%; isso
corresponde à um crescimento anual de cerca de 9.0% a.a., bem acima da meta de
Inflação. Passados mais de 3 anos os
“novos entrantes” apontados por Amir Khair não foram suficientes para baixar a
inflação de serviços. O Banco Central então deve cruzar os braços e esperar
mais 3 anos para ver o “Mercado Perfeito” de Serviços se ajustar?
O Mercado
de Serviços é via de regra mão de obra intensivo e num cenário no qual há
oferta de mão de obra disponível em abundância faz sentido assumir a hipótese
de que haverá “novos entrantes” os quais possibilitarão a expansão do setor sem
gerar pressões relevantes nos preços.
Porém repare que no período a Taxa de Desocupação da Economia sitou-se num patamar extremamente baixo (médias 2012:
5.5%, 2013: 5.4% e 2014: 4.8%) indicando um Mercado de Trabalho “aquecido”.
Esse Ponto
aliado a Política de Valorização do Salário Mínimo (crescimento acima da
inflação) e a baixa produtividade da Economia Brasileira formam os ingredientes
chave para entender porque os preços no Setor de Serviços crescem de forma
acelerada.
Talvez Amir
acredite que estes “novos entrantes” sejam supridos pela Importação de Mão de
Obra dos Países Vizinhos à um Custo mais baixo comparado ao da Mão de Obra
Nacional. Como o Banco Central ainda não descobriu um jeito de fortalecer o
Fluxo Imigratório é difícil defender a tese de não adotar atitude alguma para
conter uma inflação de 9% a.a.
Elevar os
Juros num Ambiente de Recessão sem dúvida
é um “remédio amargo” para conter a Inflação (repare que no final do
gráfico já se observa um aumento expressivo na Taxa de Desocupação); porém
nossa história já mostrou os efeitos nefastos dum processo resiliente de
aumento de preços no poder de compra dos brasileiros, principalmente para as
camadas sociais menos favorecidas.
Mas então
por que a gente é assim? Será um dia possível ter uma Taxa de Juros
“civilizada” sem impactos inflacionários (como referência a Taxa de Juros atual
dos EUA é de 0,25% a.a. e do Banco Central Europeu de 0,05% a.a.)? Essa resposta passa pela melhora na
Produtividade do País. O Brasil investe pouco, há grandes gargalos de Infra
Estrutura e são necessárias inúmeras reformas institucionais para viabilizar um
período de crescimento sustentável no Produto que possibilite reduzir os juros
sem efeitos inflacionários. Acreditar que podemos inverter este caminho
propondo derrubar a Taxa de Juros na “canetada” para dessa forma colocar a
Economia Brasileira nos trilhos dum “crescimento chinês” não é apenas ingenuidade, é um
desrespeito com o intelecto de qualquer pessoa que pensa nos rumos do país de
forma séria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário