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sábado, 15 de agosto de 2015

Por que a Gente é Assim?

O post de hoje segue uma linha diferente dos anteriores, gostaria de destacar um artigo de Amir Khair (engenheiro e mestre em Finanças Públicas pela FGV e pelo que escreve um ávido Economágico) no Estadão. Um grande amigo meu diz que debates com pessoas desse tipo servem (pelo menos) como uma experiência antropológica dada a convicção cega, peculiaridade e em geral pouco (ou nenhum) rigor teórico no raciocínio das mesmas.

Vamos então destrinchar como funciona a cabeça de um Mestre Cuca do Almoço Grátis:

Ponto I – Comece com Dados e Argumentos Irrefutáveis

O artigo começa aparentemente neutro, citando as dificuldades do Ajuste Fiscal num Cenário de Recessão. O Produto Interno Bruto (PIB) em queda reduz a Arrecadação Tributária e soma-se à isso a atual elevação da Taxa Básica de Juros (SELIC), geradora dum aumento nas despesa financeira do Estado. Até aí tudo bem...

Ponto II – "Para todo problema complexo, existe uma solução clara, simples e errada" - George Bernard Shaw

Avançando na leitura num passe de Economágica todos os problemas podem ser resolvidos ao:

"Reduzir os Juros e Aumentar a Quantidade de Moeda na Economia"
• "Vender US$ 100 bilhões das Reservas Cambiais"
•"Limitar a Autonomia do Banco Central que hoje “goza de plena liberdade em praticar a Selic que bem entender"


Aqui Amir já começa a abrir as portas de seu restaurante e pendurar a placa de Almoço Grátis para Todos na entrada do estabelecimento. Fica a pergunta, por que ninguém pensou nisso antes? Será que os Manuais de Economia não se aplicam ao Brasil? Por que o Sr. Khair não está como Ministro da Fazenda limitando este Banco Central irresponsável que ousa aumentar os Juros para Conter a Inflação?

Ponto III – Nada nessa Manga

Posteriormente ocorre o que os Mágicos (e Economágicos) chamam de “A Promessa” ou o Primeiro Ato de um Truque, momento no qual a atenção do público é direcionada para um certo ponto enquanto o que realmente importa não está em foco.

Vamos lembrar que o Banco Central no exercício de suas atribuições procura manter a inflação na meta de 4,5% a.a (medida pelo IPCA do IBGE). com uma margem de tolerância de 2 pontos percentuais.  Como atualmente este índice está superior à 9% nos últimos 12 meses é natural que um Banco Central responsável busque dentro dos instrumentos possíveis trazer a inflação para o centro da meta. Tradicionalmente o instrumento utilizado é a elevação da Taxa de Juros visando desestimular o consumo/demanda e assim reduzir os preços.

Mas Amir tira um vistoso Coelho da Cartola e atesta que “80% da inflação não depende do Banco Central”. Isso porque segundo este Houdini Tupiniquim:

•“A inflação de serviços é comandada pelo mercado de oferta e demanda, pois são milhões de ofertantes e de demandantes, se assemelhando a um mercado perfeito” e “O legado do governo Lula ao acrescentar cerca de 40 milhões de novos consumidores na calasse C fez crescer a demanda em velocidade superior à oferta, mas aos poucos isso se ajusta com a entrada de novos ofertantes”
• "Outro componente do IPCA são os alimentos que respondem por 25% dos preços no IPCA e o que comanda os preços é o clima."
•"O terceiro componente do IPCA, com peso de 20%, são os preços administrados pelos governos federal, estadual e municipal, que não dependem do BC."

E a Mágica entra no Segundo Ato, o “Momento da Virada”, Amir transforma algo simples em algo extraordinário! Após o balançar da Varinha Economágica parece inacreditável achar que a Selic e o Banco Central possuam impacto relevante no Controle da Inflação. Aliás, seguindo esta linha, por que então existe uma Autoridade de Política Monetária como o BACEN se sua atuação é praticamente inócua?

Ponto IV – A Apoteose

O Terceiro Ato da Mágica chamado de "Apoteose" é o fechamento do truque com louvor, não basta tirar um coelho da cartola vazia, a Economágica só terá sucesso se o fizer sumir novamente, para delírio da platéia. O Grand Finale consiste então em passar o receituário para um crescimento sustentável:

• “Posicionar o Mais Rápido a SELIC ao nível da Inflação” - atualmente seria baixa-la de 14,25% a.a para 9,55% a.a, o IPCA acumulado em 12 meses
“Posicionar o Câmbio no Lugar (ao redor de R$ 4.50/US$)" - não me pergunte como ele chegou ao "lugar" do câmbio

Palmas para Amir Khair! Todos os problemas econômicos foram resolvidos em 13 parágrafos com a simplicidade da receita de uma Omelete.

Vamos testar uma simples hipótese apresentada no texto para verificar se é possível dar algum crédito aos argumentos do autor:

Teste de Hipótese – A Inflação de Serviços se Ajusta aos poucos com a Entrada de Novos Ofertantes

As linhas do gráfico abaixo mostra o Comportamento da Inflação de Serviços medida pelo IPCA para o item 7.Despesas Pessoais (Cabeleireiro, Serviços Bancários, Cinema, Hotel, etc) e 8.Educação (Creches, Ensino Básico ao Superior, Cursos de Qualificação, Jornais/Revistas, etc) e as Barras a Taxa de Desocupação Total (em %) medida pelo IBGE.




De jan/12 até jul/15 os itens Despesas Pessoais e Educação cresceram cerca de 37%; isso corresponde à um crescimento anual de cerca de 9.0% a.a., bem acima da meta de Inflação.  Passados mais de 3 anos os “novos entrantes” apontados por Amir Khair não foram suficientes para baixar a inflação de serviços. O Banco Central então deve cruzar os braços e esperar mais 3 anos para ver o “Mercado Perfeito” de Serviços se ajustar?         

O Mercado de Serviços é via de regra mão de obra intensivo e num cenário no qual há oferta de mão de obra disponível em abundância faz sentido assumir a hipótese de que haverá “novos entrantes” os quais possibilitarão a expansão do setor sem gerar pressões relevantes nos preços.  Porém repare que no período a Taxa de Desocupação da Economia sitou-se  num patamar extremamente baixo (médias 2012: 5.5%, 2013: 5.4% e 2014: 4.8%) indicando um Mercado de Trabalho “aquecido”.

Esse Ponto aliado a Política de Valorização do Salário Mínimo (crescimento acima da inflação) e a baixa produtividade da Economia Brasileira formam os ingredientes chave para entender porque os preços no Setor de Serviços crescem de forma acelerada.

Talvez Amir acredite que estes “novos entrantes” sejam supridos pela Importação de Mão de Obra dos Países Vizinhos à um Custo mais baixo comparado ao da Mão de Obra Nacional. Como o Banco Central ainda não descobriu um jeito de fortalecer o Fluxo Imigratório é difícil defender a tese de não adotar atitude alguma para conter uma inflação de 9% a.a.

Elevar os Juros num Ambiente de Recessão sem dúvida  é um “remédio amargo” para conter a Inflação (repare que no final do gráfico já se observa um aumento expressivo na Taxa de Desocupação); porém nossa história já mostrou os efeitos nefastos dum processo resiliente de aumento de preços no poder de compra dos brasileiros, principalmente para as camadas sociais menos favorecidas.

Mas então por que a gente é assim? Será um dia possível ter uma Taxa de Juros “civilizada” sem impactos inflacionários (como referência a Taxa de Juros atual dos EUA é de 0,25% a.a. e do Banco Central Europeu de 0,05% a.a.)?  Essa resposta passa pela melhora na Produtividade do País. O Brasil investe pouco, há grandes gargalos de Infra Estrutura e são necessárias inúmeras reformas institucionais para viabilizar um período de crescimento sustentável no Produto que possibilite reduzir os juros sem efeitos inflacionários. Acreditar que podemos inverter este caminho propondo derrubar a Taxa de Juros na “canetada” para dessa forma colocar a Economia Brasileira nos trilhos dum “crescimento  chinês” não é apenas ingenuidade, é um desrespeito com o intelecto de qualquer pessoa que pensa nos rumos do país de forma séria.



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