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domingo, 4 de outubro de 2015

As Aves que Aqui Gorgeiam não Gorgeiam como Lá

Gonçalves Dias escreveu seu célebre poema Canção do Exílio enquanto estudava Direito na Universidade de Coimbra nos idos de 1840. O autor foi um dos expoentes do Romantismo Brasileiro e nesse poema destaca além da saudade dessas terras tupiniquins o sentimento ufanista ao comparar a superioridade da fauna e flora nacional frente a europeia.

Preferências não se enquadram no campo das Ciências Exatas; talvez se Eça de Queiroz (Romancista Lusitano quase contemporâneo a Gonçalves Dias) tivesse sido questionado sobre a Fauna e Flora Portuguesa comparada à Brasileira ele fizesse um poema antagônico à Canção do Exílio. 

Há um viés natural quando falamos de algo que temos simpatia e não raro costumamos valorizar qualidades e omitir defeitos. Em alguns momentos isso é plenamente aceitável, por exemplo quando falamos do nosso lar; mesmo quem se hospeda num hotel 5 estrelas após certo tempo costuma sentir falta do próprio chuveiro, sofá e comida caseira. 

Porém quando se discute Política Econômica (que possui a particularidade de adentrar tanto o Campo das Ciências Exatas como das Ciências Humanas) é preciso ter um pouco mais de cuidado para não incorrer em desonestidade intelectual.

É interessante notar hoje o número de debates econômicos em programas televisivos, jornais e blogs sobre as causas da atual recessão e as alternativas para retomar o crescimento. Aqui neste blog não pretendo formar a opinião de qualquer leitor mas sim subsidiar um debate para que cada um forme sua própria opinião porém é notável que há hoje além da polarização política uma clara polarização econômica nas discussões (segue um link para um trecho do debate ocorrido recentemente entre duas visões opostas).

Um ponto central de divergência é a condução da política monetária pelo Banco Central quando comparada a países europeus e EUA. Se tais países em momento de recessão reduziram as taxas de juros porque estamos tomando o caminho inverso? Adicionalmente não seria hora do Estado tomar (ou retomar) a liderança dos Investimentos na Economia e lançar mão de Políticas Anticíclicas para voltarmos a crescer?

Vejamos por exemplo alguns dados de Inflação do Brasil e outros países  (fonte: Eurostat):


Os dados evidenciam dois pontos, I - a inflação brasileira (variação anual frente ao mesmo período do ano anterior) está num patamar maior do que emergentes e países desenvolvidos e II - União Européia e EUA nos últimos meses apresentam vários meses de deflação.

É saudável para uma Economia passar por sucessivos períodos de redução nos preços (deflação)? A evidência mostra que não com exceção do caso que esta queda decorre de melhora na produtividade e estrutura de custos.

No caso de Europa e EUA esse dado aponta a dificuldade na retomada de crescimento e não é difícil imaginar o porquê. Imagine que você perdeu o emprego e para se adequar à nova realidade decide colocar seu atual apartamento à venda e comprar outro imóvel de menor valor ou mesmo voltar para o aluguel. Você fixa um preço de por exemplo R$ 350 mil e após um mês não aparecem propostas; ainda desempregado e pressionado pelas contas que não param de chegar você reduz o pedido para R$ 325 mil mas ainda não há interessados.

Repare que a repetição desse ciclo de reduções deixa clara a situação dramática duma Economia uma vez que tanto o vendedor não possui condições de manter seu patrimônio como não aparecem compradores independente de reduções significativas no preço. No limite o apartamento pode ser vendido com prejuízo se comparado ao valor originalmente pago.

Não à toa tanto Banco Central Europeu como o Federal Reserve Norte Americano fixaram a Taxa de Juros próximas à zero (em alguns casos negativas em termos reais) para estimular a Economia. Grosso modo isso equivale a uma tentativa de tornar mais atrativo a compra do imóvel no nosso exemplo frente à aplicações financeiras.

No cenário destes países é plausível cogitar medidas keynesianas como elevar os Gastos do Governo para retomar o crescimento. Em linhas gerais se a Taxa de Juros nula ou negativa não é suficiente para elevar a Demanda Agregada não restam muitas alternativas ao Governo senão tomar a liderança do Investimento.

Voltando ao Brasil claramente o receituário acima não se aplica, pelo menos não no atual momento. A Inflação no patamar de quase 10% a.a. indica que há ainda muito trabalho à ser feito tal como margem de manobra antes de adotarmos novamente medidas anticíclicas. A dívida bruta de quase 65% do PIB também não permite que o Governo aumente ainda mais seus gastos neste momento.

É triste finalizar com esta conclusão para quem acredita com veemência que todos os problemas tem a mesma solução mas no caso brasileiro será necessário ter paciência para a retomada do crescimento. No curto prazo é tentador realizar um novo choque heterodoxo (derrubar juros e aumentar gastos) para uma rápida recuperação porém ainda estamos colhendo frutos inflacionários das intervenções do primeiro Governo Dilma e semear ainda mais neste campo seria no mínimo arriscado para não dizer irresponsável levando-se em conta o regime de metas de inflação do país.

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