Um/uma chefe de família na melhor das intenções resolve organizar uma viagem de férias com tudo que seus entes queridos merecem (hotéis confortáveis, passeios, aluguel de carros, refeições em restaurantes de qualidade e um montante para presentes e lembranças).
Esse/essa chefe de família não possui os recursos em poupança para pagar uma viagem nessas condições porém resolve financiar o pacote em 12 vezes e mesmo sob o risco de não ter condições de pagar as parcelas decide deixar esta preocupação para outra hora; afinal a felicidade da família justifica tomar um certo risco e sempre há a possibilidade de no futuro surgir uma receita não prevista ou com sorte até receber uma promoção no trabalho.
Viagem realizada e todos voltam satisfeitos e com grandes lembranças e ao retornar à casa está lá o carnê de 12 prestações para ser pago. A preocupação começa a aumentar pois não só há este gasto adicional como nota-se que as Contas de Luz, Internet, Gás e o preço da Gasolina estão mais caros e não será possível pagar todas as contas do mês.
Nesse momento há dois caminhos a serem tomados:
I. Abrir o Jogo com a Família e deixar claro que será necessário "cortar na carne" e abrir mão de algumas comodidades (vender o carro, cancelar a TV à Cabo, menos refeições fora do domicílio, etc) para conseguir arcar com as dívidas da viagem;,
II. Omitir a informação de que há problemas e adicionalmente passar tranquilidade à todos reafirmando que gastar mais do que se recebe não é problema; além disso é possível computar nas suas receitas a expectativa de ganhar numa loteria ou ter o cupom sorteado na promoção da Agência de Viagens na qual foi comprado o pacote.
Não é difícil imaginar o quão arriscado é seguir pelo segundo caminho tendo no horizonte não apenas a inflação como menor possibilidade de emprego.
Não se questiona a boa intenção do Governo em medidas que visaram estimular o Crescimento Econômico como Desoneração de Impostos e Crédito Subsidiado porém o que se observa é que não apenas estas ações não trouxeram o resultado esperado como também deixaram uma "conta salgada" para ser paga no futuro.
Adicionalmente a gravidade das contas públicas foram artificialmente cobertas por truques contábeis que retardaram ainda mais o reconhecimento de que um ajuste no orçamento era inevitável.
Quando se fala em Contabilidade Criativa alguns exemplos são notórios (para não falar vexatórios); o primeiro ocorre na Prestação de Contas de 2012 quando o Governo abate algumas despesas do Programa de Aceleração de Crescimento e Antecipa Receitas Futuras para entregar um Superávit Primário de 2,38% do PIB.
No exemplo do nosso chefe de família isso equivale a considerar na poupança de hoje a PLR (participação nos lucros da empresa em que trabalha) do ano que vem e tirar da contas a mensalidade escolar dos filhos (já que essa é uma despesa com caráter de investimento no futuro das crianças).
Talvez motivado por já ter usado ferramentas não convencionais para melhorar um resultado o Governo decide então ir mais longe e questiona: por que então não transformar déficit em superávit? Foi o que ocorreu em 2014 quando foi entregue um resultado negativo de 32 bilhões equivalente a 0,6% do PIB.
Para escapar de sanções por entregar um "prejuízo" o Governo alterou a Lei de Diretrizes Orçamentárias e permitiu abater de forma ilimitada despesas do PAC. Mais uma vez retomando o exemplo do chefe de família não apenas a mensalidade escolar não seria mais incluída no cômputo dos gastos mas também o dispêndio com uniforme, transporte, material didático, refeições e passeios das crianças.
Não à toa o TCU reprovou as Contas do Governo; mais do que algum tipo de perseguição ideológica ou politização do debate o TCU agiu da única forma que era possível neste caso. Acima destaquei apenas dois exemplos mas a lista de artifícios contábeis para melhorar o balanço do Governo é extensa e não haveria sentido um Tribunal de Contas assinar em baixo de medidas tão controversas pois seria no mínimo um precedente perigoso para outras Administrações que poderiam repetir ou mesmo intensificar tais ações se o TCU se mostrasse conivente com essas chamadas "pedaladas".
Maquiavel escreveu o livro O Príncipe em 1513 e destaca que para manter a governabilidade um líder não raro precisa tomar medidas controversas; vulgarmente esta ideia foi sintetizada na expressão "os fins justificam os meios" (apesar desta expressão não constar no livro).
Num Estado Democrático por mais que o argumento central do Governo seja que as "pedaladas fiscais" foram necessárias para manter o nível de emprego e renda não é possível cobrar da sociedade e das instituições a complacência cega com o descumprimento duma lei como a Lei de Responsabilidade Fiscal; aceitar isso seria um retrocesso sem tamanho e neste ponto a decisão do TCU foi extremamente relevante (independente se isso levará ou não à um processo de impeachment).
O que o Governo atual e os futuros devem entender é que nem sempre é possível ter tudo o que se quer e que hoje o grande desafio é manter o atual nível de bem estar social e restabelecer alguns conceitos fundamentais que já funcionaram no passado mas se perderam nos últimos anos como o de quem Gasta mais do que Arrecada invariavelmente acaba em maus lençóis.
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