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sábado, 5 de dezembro de 2020

Quando o Passado é Incerto

Se houvesse um campeonato mundial de insegurança jurídica acredito que o Brasil seria o grande favorito. Embora seja difícil fazer esta comparação, os inúmeros casos de diferentes decisões judiciais sobre um mesmo tema causam perplexidade.

A frase "no Brasil até o passado é incerto" é de autoria duvidosa, alguns à atribuem ao ex-ministro da Fazenda Pedro Malan mas a jornalista Miriam Leitão afirmou ter ouvido tempos antes a mesma expressão do ex-presidente do Banco Central Gustavo Loyola.

Para os amantes de futebol talvez o caso mais emblemático de passado incerto seja o do Campeonato Brasileiro de 1987. É uma confusão tão grande que até o resumo do wikipedia parece um capítulo de debate jurídico. 

Resumindo, oficialmente o Sport foi o campeão brasileiro do torneio da CBF porém o Flamengo acredita ser o verdadeiro campeão por ter vencido o campeonato paralelo organizado pelo Clube dos 13.

A polêmica foi tão grande que o Flamengo levou o caso a Suprema Corte Brasileira. Isso mesmo, a instância máxima da justiça teve que resolver essa relevante questão para a sociedade brasileira poder dormir tranquila. 

Em 2018 o STF reconheceu o Sport como único campeão brasileiro de 1987, mas muito provavelmente inúmeras pessoas ainda acreditam que o Flamengo foi o verdadeiro campeão, ou que excepcionalmente houve dois campeões naquele ano.

Não é raro que casos exóticos como o do campeão brasileiro de 1987 sejam julgados pelo Supremo, principalmente quando indivíduos tentam utilizar a justiça da forma que mais lhes favorece.

Hoje presenciamos um destes debates num tópico talvez mais relevante do que um torneio de futebol. Os Presidentes da Câmara e do Senado federal, Rodrigo Maia e David Alcolumbre, discordam do seguinte trecho da Constituição Federal:

terça-feira, 24 de novembro de 2020

Métrica

O economista adora opinar sobre assuntos de diversas áreas como saúde, educação, violência e discriminação. Grande parte se deve a nossa curiosidade, porém o fundamental da intervenção do economista deveria ser a sua "caixa de ferramentas" para medição de impactos sociais.

Uma das definições de métrica é "o conjunto de regras que presidem a medida". A origem da palavra está relacionada ao rigor para a versificação de um poema.  Coincidência ou não, uma das maiores revistas de Economia do mundo (reconhecida pela exigência de grande rigor matemático) se chama Econométrica.

As ferramentas que usamos para medir impactos sociais nos permitem abordar questões de grande impacto para a sociedade, a exemplo de "como barreiras de entrada e discriminação à mulheres e negros no mercado de trabalho impactam o crescimento de um país?".

Esta pergunta foi abordada por pesquisadores da Universidade de Chicago e Stanford em artigo publicado na Econométrica. 

O texto menciona o exemplo da primeira Juíza da Suprema Corte Norte Americana, Sandra Day O'Connor, que apesar de ser uma das 3 melhores alunas da Escola de Direito de Stanford, após sua formatura em 1952, recebeu apenas uma proposta para ser Secretária.

Nesse sentido, não é preciso muito cálculo para avaliar que Sandra O'Connor era muito mais qualificada que vários colegas os quais receberam propostas de grandes escritórios. Nesses casos é importante destacar que a sociedade como um todo perde quando pessoas com talento não recebem oportunidades compatíveis com sua formação ("misallocation").

Utilizando ferramentas econométricas, os autores procuram avaliar dois fenômenos: (i) as barreiras de entrada para mulheres e negros ingressarem no mercado de trabalho e (ii) a discriminação que eles sofrem já empregados.

Parte da estratégia é baseada na mudança da composição racial e de gênero observada em algumas profissões nos últimos anos. Nos EUA em 1960, 94% dos médicos eram homens brancos enquanto em 2010 este percentual chegou a 62%.

O gráfico abaixo mostra a evolução das barreiras de entrada às mulheres. Valores maiores que 1 apresentam dificuldade para ingressar numa determinada profissão. Repare que na área de Construção Civil as mulheres ainda encontram uma grande barreira porém entre Médicos e Advogados houve uma queda significativa ao longo dos anos.

quinta-feira, 8 de outubro de 2020

Prédios no Coração do Condado

Hoje uma série de posts do candidato a vereador em São Paulo Matheus Hector pintou em um dos meus grupos de whatsapp.

O rapaz que se declara um "hipster" que ama urbanismo e patinetes elétricos (lembra deles?) lançou a "braba", irá lutar para que você more mais perto das áreas nobres de São Paulo, conhecido por estas bandas como "O Condado".

Numa série de posts ousados, o jovem destaca que "você vai poder comprar um apê top no Jardim Europa".

Antes de falar sobre essa ideia um tanto quanto exótica para uma campanha política, fica a pergunta: você sabe quantos votos são necessários para ser eleito como vereador em São Paulo?

Resposta: em 2016 foram necessários 12 mil votos (Sâmia Bonfim - PSOL). Numa cidade com mais de 8 milhões de eleitores parece uma tarefa bem simples não? 

Só para ter uma ideia, Matheus Hector possui 6 mil seguidores no twitter, num mundo em que todos os seguidores votassem nele e convencecem um amigo ele teria grandes chances de ser eleito.

Mais do que falar de Economia, essa campanha me chamou a atenção por dois motivos: (i) estratégia e (ii) benefícios difusos.

segunda-feira, 6 de abril de 2020

It’s the economy, stupid!*

De quanto vale a racionalidade econômica durante uma pandemia?

Nos livros textos de economia, os agentes econômicos (eu, você e todo mundo) toma decisões auto interessadas, baseadas naquilo que aumenta nosso próprio bem-estar. Esse comportamento é uma premissa básica de muitos modelos econômicos e está presente em boa parte das políticas públicas e decisões de gestão de empresas.

Ocorre que estamos vivendo em um cenário que os seriados mais malucos não puderam prever (leia-se Black Mirror, por exemplo!). Vivemos dias tão surreais com o isolamento social de boa parte da população mundial, que muitos criativos não ousaram imaginar.

Com essa situação imprevisível, nosso antigo caderninho de receitas já não está nos servindo tão bem. É um mundo novo. Ficar longe de quem se gosta, por exemplo, virou prova de carinho. Os desafios são imensos e indivíduos, empresas e governos têm se dividido entre quais decisões tomar frente ao cenário que se apresenta.

Em Economia é comum (e muitas vezes mandatório) a utilização do método científico para analisar assuntos pertinentes à vida cotidiana. Em linhas gerais, é realizada a observação cuidadosa de dados e/ou indivíduos para elaboração de um teste de hipótese, cuja tese principal possa ser comprovada ou refutada.

Parece estranho, não? Afinal, estamos muito mais acostumados a ver testes assim na área médica ou farmacêutica, quando se busca comprovar os efeitos de um novo tratamento ou remédio, do que um experimento que envolve as decisões comportamentais de um indivíduo.

Como economista, um dos nossos maiores desafios é o chamado contrafactual, ou seja, o que teria ocorrido se houvessem sido tomadas decisões hipotéticas em um cenário igualmente hipotético. Esse é um dilema pelo qual todo mundo passa.

Imagine, por exemplo, um casamento de 30 anos em que um dos parceiros pensa: “se eu não tivesse casado, minha vida seria muito melhor” ou “se eu tivesse esperado mais alguns anos para ter filhos, teria aproveitado mais”.

Como assim? Como vamos saber? Como testamos a validade destas afirmações? Afinal, o cenário que temos para analisar é exatamente aquele que ocorreu. Enquanto não existem máquinas do tempo para voltarmos no passado e corrigirmos algumas rotas, não existe o contrafactual.