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segunda-feira, 6 de abril de 2020

It’s the economy, stupid!*

De quanto vale a racionalidade econômica durante uma pandemia?

Nos livros textos de economia, os agentes econômicos (eu, você e todo mundo) toma decisões auto interessadas, baseadas naquilo que aumenta nosso próprio bem-estar. Esse comportamento é uma premissa básica de muitos modelos econômicos e está presente em boa parte das políticas públicas e decisões de gestão de empresas.

Ocorre que estamos vivendo em um cenário que os seriados mais malucos não puderam prever (leia-se Black Mirror, por exemplo!). Vivemos dias tão surreais com o isolamento social de boa parte da população mundial, que muitos criativos não ousaram imaginar.

Com essa situação imprevisível, nosso antigo caderninho de receitas já não está nos servindo tão bem. É um mundo novo. Ficar longe de quem se gosta, por exemplo, virou prova de carinho. Os desafios são imensos e indivíduos, empresas e governos têm se dividido entre quais decisões tomar frente ao cenário que se apresenta.

Em Economia é comum (e muitas vezes mandatório) a utilização do método científico para analisar assuntos pertinentes à vida cotidiana. Em linhas gerais, é realizada a observação cuidadosa de dados e/ou indivíduos para elaboração de um teste de hipótese, cuja tese principal possa ser comprovada ou refutada.

Parece estranho, não? Afinal, estamos muito mais acostumados a ver testes assim na área médica ou farmacêutica, quando se busca comprovar os efeitos de um novo tratamento ou remédio, do que um experimento que envolve as decisões comportamentais de um indivíduo.

Como economista, um dos nossos maiores desafios é o chamado contrafactual, ou seja, o que teria ocorrido se houvessem sido tomadas decisões hipotéticas em um cenário igualmente hipotético. Esse é um dilema pelo qual todo mundo passa.

Imagine, por exemplo, um casamento de 30 anos em que um dos parceiros pensa: “se eu não tivesse casado, minha vida seria muito melhor” ou “se eu tivesse esperado mais alguns anos para ter filhos, teria aproveitado mais”.

Como assim? Como vamos saber? Como testamos a validade destas afirmações? Afinal, o cenário que temos para analisar é exatamente aquele que ocorreu. Enquanto não existem máquinas do tempo para voltarmos no passado e corrigirmos algumas rotas, não existe o contrafactual.

Em tempos de COVID-19, tanto economistas como profissionais da Medicina são provocados a responder perguntas igualmente desafiadoras, tais como “qual seria o impacto no Sistema de Saúde de não fazer uma quarentena?” ou “qual será o impacto econômico das medidas de isolamento social?”.

Assim, como o cônjuge arrependido, não é possível testar diferentes hipóteses na prática. Nos dias de hoje, seria algo como aplicar quarentena apenas em metade do país e, daqui há alguns anos, comparar qual metade do Brasil se saiu melhor.

Além das limitações práticas e jurídicas de tal experimento, haveria um imenso debate ético sobre como escolheríamos as pessoas que seriam expostas ou não à quarentena. Dessa forma, essa não é uma solução viável.

Isso significa então que não podemos fazer nada?

Não. Há sempre algo que pode ser feito! Em especial utilizar experiências passadas como um norte para tomarmos decisões hoje: ver onde erramos e acertamos e alinharmos isso ao que acreditamos ser melhor, dada a situação presente.

Nesse sentido, um artigo recente chamou bastante atenção do meio acadêmico ao analisar os efeitos da Gripe Espanhola (pandemia ocorrida nos anos 1918) sobre a atividade econômica. O estudo indica que as cidades dos EUA que adotaram de forma mais intensa intervenções não farmacêuticas, como o isolamento social, reduziram os impactos econômicos da pandemia e também mostraram recuperação mais acelerada após seu controle.

Claro que o sucesso passado não é garantia de sucesso futuro, porém esta é uma evidência bastante significativa para a tomada de decisão dos indivíduos.

Além disso, é importante destacar que a recessão econômica é inevitável. No caso norte-americano, a Gripe Espanhola causou uma perda estimada de 18% na riqueza produzida no país, uma queda brutal só comparada a períodos de guerra.

Esta retração é explicada por uma combinação de choques de Oferta e de Demanda (o quanto é produzido e o quanto é consumido na economia).

Primeiramente, a oferta é reduzida de forma abrupta pelas restrições impostas pela pandemia. No Brasil, já podemos observar a quantidade de empresas com portas fechadas que, em um período de normalidade, estariam produzindo e vendendo seus bens e serviços. Em segundo lugar, a demanda também se contrai, pois inúmeros trabalhadores não conseguem exercer suas atividades e obter recursos (salário) para consumir bens e pagar suas contas.

No nosso país, essa situação é ainda mais grave pelo grande número de trabalhadores informais e autônomos (cerca de 40% do total de empregados!!). São pessoas que não contam com seguro-desemprego, fundo de garantia ou qualquer verba indenizatória, quando são impedidos de trabalhar.

Nesse contexto, a opinião unânime entre os economistas é de que cabe ao Estado intervir de forma consistente para suavizar este impacto brutal visando diminuir e, se possível, evitar o fechamento definitivo de empresas e postos de trabalho. Nosso dever como sociedade é cobrar a atuação dos Governantes neste sentido.

Mas e eu? E você? E as pessoas que eu conheço? A gente fica esperando?

Não!! Enquanto aguardamos os próximos passos e decisões do Governo, alguns de nós ficam em casa e recebem integralmente sua remuneração sem desconto, como se não houvesse crise. É o caso de profissões que permitem o homeoffice e dos aposentados.

Há, porém, outro grupo que, como mencionamos, precisa sair às ruas para ganhar o pão nosso de cada dia. São os profissionais autônomos e donos de pequenos negócios. Os exemplos desse segundo grupo são infinitos: professores de Yoga, diaristas, pedreiros, professores de línguas, donos de mercadinhos, academias, salões de beleza, entre outros.

É comum pensarmos que a remuneração ocorre pela prestação de serviço, o que é completamente racional. Assim, se eu trabalho, sou remunerado por isso, se não, não recebo.

Acontece que, na situação em que nos encontramos, onde as previsões para a Economia são de quedas semelhantes aos cenários de guerra, devemos ampliar nosso horizonte de reflexão e fugir de respostas rápidas e miseravelmente simplistas.

Nas Ciências Econômicas, uma das premissas básicas é que o ser humano é um agente racional, auto interessado e que busca maximizar seus próprios resultados individuais.

Algumas discussões sobre esses pilares vêm sendo travadas no meio acadêmico. Afinal, o ser humano não pode ser altruísta, pensar no bem coletivo e tomar decisões que beneficiem não somente a ele, mas também ao próximo?

Nesse sentido, não poderia o primeiro grupo, que está recebendo seu salário normalmente ou tem mais recursos e segurança, apoiar o segundo grupo?

É uma reflexão que cada um de nós deve fazer, dentro das suas possibilidades e do seu coração. Ninguém pode nos dizer o que é melhor para nós. Há que se sentir e tomar para si a missão de ajudar.

Colocando em linguagem economicista: se quem não teve sua renda afetada continuar pagando os serviços que consumia, ainda que não esteja exatamente usufruindo dos seus produtos, as pessoas que prestam esses serviços também poderão manter uma renda segura e continuarão a consumir o que estavam habituados. Se elas continuarem a viver a vida também como antes da crise, estabelecimentos que estariam sob risco de fecharem e gerarem mais desemprego, têm potencial de sobreviver.

Isso gera um ciclo virtuoso na economia, em que um sustenta o potencial de consumo do outro, que apoia o outro e assim sucessivamente. É um efeito em cadeia!

Vamos colocar em termos práticos para todo mundo entender:

Vamos supor que você é funcionário de uma empresa que te possibilita fazer homeoffice. Mesmo com o COVID-19, você tem trabalhado normalmente e recebeu seu salário no final do mês.

Existe uma diarista que presta serviço para você uma vez por semana e você paga o valor do dia. Mas, com o COVID-19, vocês decidiram suspender a prestação de serviço para proteção da saúde de ambos. A diarista não está fazendo faxina na sua casa, porque não pode. Estamos em cenário de guerra, lembram?

Parece justo você economizar o dinheiro ou aumentar seu consumo, sendo que, para ela, esta é sua única fonte de renda?

Se ela não recebe, vai se esforçar para reduzir ao máximo seu consumo. Sabe o pão da padaria que todo mundo compra baratinho perto de casa? Ela vai evitar.

O padeiro, cuja venda do pãozinho é sua única fonte de renda, também será afetado. Com o passar do tempo, provavelmente sem conseguir mais manter a estrutura do seu negócio, vai precisar desligar funcionários: mais pessoas sem renda!! E esses funcionários também provocarão o mesmo efeito em cascata com as coisas que consomem.

Notem o ciclo vicioso que foi criado.

Nós podemos fazer diferente. De novo, o que é justo para cada um é relativo. Não cabe impor nenhum certo ou errado.

Mas, queríamos propor o desafio de enfrentarmos o homu economicus, auto interessado e maximizador de seus próprios resultados individuais, que a economia diz refletir as decisões do ser humano.

E se nesse momento de vulnerabilidade, fizermos a diferença com quem pudermos, aonde pudermos?

Há muitas pessoas próximas a nós que poderão entrar em situação econômica muito difícil nos próximos meses e, alguns de nós podem ajudar, simplesmente se não mudarem a forma como pagam suas contas.

It’s the economy, stupid!” é uma das mensagens que os marketeiros da campanha de Clinton focaram para garantir sua eleição para presidente dos EUA, mostrando a importância da economia para sua vitória.

Para nossa vitória sobre o COVID-19, porém, precisamos ir além da economia. Precisamos de compaixão, empatia e solidariedade. Estaremos juntos quando tudo isso acabar.


* texto em parceria com Mariana Palandi, economista e professora de yoga. Escreve no portal https://medium.com/@mariana.palandi.


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