De quanto vale a racionalidade econômica durante uma
pandemia?
Nos livros textos de economia, os agentes econômicos
(eu, você e todo mundo) toma decisões auto interessadas, baseadas naquilo que
aumenta nosso próprio bem-estar. Esse comportamento é uma premissa básica de
muitos modelos econômicos e está presente em boa parte das políticas públicas e
decisões de gestão de empresas.
Ocorre que estamos vivendo em um cenário que os
seriados mais malucos não puderam prever (leia-se Black Mirror, por exemplo!).
Vivemos dias tão surreais com o isolamento social de boa parte da população
mundial, que muitos criativos não ousaram imaginar.
Com essa situação imprevisível, nosso antigo
caderninho de receitas já não está nos servindo tão bem. É um mundo novo. Ficar
longe de quem se gosta, por exemplo, virou prova de carinho. Os desafios são
imensos e indivíduos, empresas e governos têm se dividido entre quais decisões
tomar frente ao cenário que se apresenta.
Em Economia é comum (e muitas vezes mandatório) a
utilização do método científico para analisar assuntos pertinentes à vida
cotidiana. Em linhas gerais, é realizada a observação cuidadosa de dados e/ou
indivíduos para elaboração de um teste de hipótese, cuja tese principal possa
ser comprovada ou refutada.
Parece estranho, não? Afinal, estamos muito mais
acostumados a ver testes assim na área médica ou farmacêutica, quando se busca
comprovar os efeitos de um novo tratamento ou remédio, do que um experimento
que envolve as decisões comportamentais de um indivíduo.
Como economista, um dos nossos maiores desafios é o
chamado contrafactual, ou seja, o que teria ocorrido se houvessem sido tomadas
decisões hipotéticas em um cenário igualmente hipotético. Esse é um dilema pelo
qual todo mundo passa.
Imagine, por exemplo, um casamento de 30 anos em que
um dos parceiros pensa: “se eu não tivesse casado, minha vida seria muito
melhor” ou “se eu tivesse esperado mais alguns anos para ter filhos, teria
aproveitado mais”.
Como assim? Como vamos saber? Como testamos a validade
destas afirmações? Afinal, o cenário que temos para analisar é exatamente
aquele que ocorreu. Enquanto não existem máquinas do tempo para voltarmos no
passado e corrigirmos algumas rotas, não existe o contrafactual.
Em tempos de COVID-19, tanto economistas como
profissionais da Medicina são provocados a responder perguntas igualmente
desafiadoras, tais como “qual seria o impacto no Sistema de Saúde de não fazer
uma quarentena?” ou “qual será o impacto econômico das medidas de isolamento
social?”.
Assim, como o cônjuge arrependido, não é possível
testar diferentes hipóteses na prática. Nos dias de hoje, seria algo como
aplicar quarentena apenas em metade do país e, daqui há alguns anos, comparar qual
metade do Brasil se saiu melhor.
Além das limitações práticas e jurídicas de tal
experimento, haveria um imenso debate ético sobre como escolheríamos as pessoas
que seriam expostas ou não à quarentena. Dessa forma, essa não é uma solução
viável.
Isso significa então que não
podemos fazer nada?
Não. Há sempre algo que pode ser feito! Em especial
utilizar experiências passadas como um norte para tomarmos decisões hoje: ver
onde erramos e acertamos e alinharmos isso ao que acreditamos ser melhor, dada
a situação presente.
Nesse sentido, um artigo recente chamou bastante atenção do
meio acadêmico ao analisar os efeitos da Gripe Espanhola (pandemia ocorrida nos
anos 1918) sobre a atividade econômica. O estudo indica que as cidades dos EUA
que adotaram de forma mais intensa intervenções não farmacêuticas, como o
isolamento social, reduziram os impactos econômicos da pandemia e também
mostraram recuperação mais acelerada após seu controle.
Claro que o sucesso passado não é garantia de sucesso
futuro, porém esta é uma evidência bastante significativa para a tomada de
decisão dos indivíduos.
Além disso, é importante destacar que a recessão
econômica é inevitável. No caso norte-americano, a Gripe Espanhola causou uma
perda estimada de 18% na riqueza produzida no país, uma queda brutal só
comparada a períodos de guerra.
Esta retração é explicada por uma combinação de
choques de Oferta e de Demanda (o quanto é produzido e o quanto é consumido na
economia).
Primeiramente, a oferta é reduzida de forma abrupta
pelas restrições impostas pela pandemia. No Brasil, já podemos observar a
quantidade de empresas com portas fechadas que, em um período de normalidade,
estariam produzindo e vendendo seus bens e serviços. Em segundo lugar, a
demanda também se contrai, pois inúmeros trabalhadores não conseguem exercer
suas atividades e obter recursos (salário) para consumir bens e pagar suas
contas.
No nosso país, essa situação é ainda mais grave pelo
grande número de trabalhadores informais e autônomos (cerca de 40% do total de
empregados!!). São pessoas que não contam com seguro-desemprego, fundo de
garantia ou qualquer verba indenizatória, quando são impedidos de trabalhar.
Nesse contexto, a opinião unânime entre os economistas
é de que cabe ao Estado intervir de forma consistente para suavizar este
impacto brutal visando diminuir e, se possível, evitar o fechamento definitivo
de empresas e postos de trabalho. Nosso dever como sociedade é cobrar a atuação
dos Governantes neste sentido.
Mas e eu? E você? E as pessoas
que eu conheço? A gente fica esperando?
Não!! Enquanto aguardamos os próximos passos e
decisões do Governo, alguns de nós ficam em casa e recebem integralmente sua
remuneração sem desconto, como se não houvesse crise. É o caso de profissões
que permitem o homeoffice e dos aposentados.
Há, porém, outro grupo que, como mencionamos, precisa
sair às ruas para ganhar o pão nosso de cada dia. São os profissionais
autônomos e donos de pequenos negócios. Os exemplos desse segundo grupo são
infinitos: professores de Yoga, diaristas, pedreiros, professores de línguas,
donos de mercadinhos, academias, salões de beleza, entre outros.
É comum pensarmos que a remuneração ocorre pela
prestação de serviço, o que é completamente racional. Assim, se eu trabalho,
sou remunerado por isso, se não, não recebo.
Acontece que, na situação em que nos encontramos, onde
as previsões para a Economia são de quedas semelhantes aos cenários de guerra,
devemos ampliar nosso horizonte de reflexão e fugir de respostas rápidas e
miseravelmente simplistas.
Nas Ciências Econômicas, uma das premissas básicas é
que o ser humano é um agente racional, auto interessado e que busca maximizar
seus próprios resultados individuais.
Algumas discussões sobre esses pilares vêm sendo
travadas no meio acadêmico. Afinal, o ser humano não pode ser altruísta, pensar
no bem coletivo e tomar decisões que beneficiem não somente a ele, mas também
ao próximo?
Nesse sentido, não poderia o primeiro grupo, que está
recebendo seu salário normalmente ou tem mais recursos e segurança, apoiar o
segundo grupo?
É uma reflexão que cada um de nós deve fazer, dentro
das suas possibilidades e do seu coração. Ninguém pode nos dizer o que é melhor
para nós. Há que se sentir e tomar para si a missão de ajudar.
Colocando em linguagem economicista: se quem não teve
sua renda afetada continuar pagando os serviços que consumia, ainda que não
esteja exatamente usufruindo dos seus produtos, as pessoas que prestam esses
serviços também poderão manter uma renda segura e continuarão a consumir o que
estavam habituados. Se elas continuarem a viver a vida também como antes da
crise, estabelecimentos que estariam sob risco de fecharem e gerarem mais
desemprego, têm potencial de sobreviver.
Isso gera um ciclo virtuoso na
economia, em que um sustenta o potencial de consumo do outro, que apoia o outro
e assim sucessivamente. É um efeito em cadeia!
Vamos colocar em termos práticos
para todo mundo entender:
Vamos supor que você é funcionário de uma empresa que
te possibilita fazer homeoffice. Mesmo com o COVID-19, você tem trabalhado normalmente
e recebeu seu salário no final do mês.
Existe uma diarista que presta serviço para você uma
vez por semana e você paga o valor do dia. Mas, com o COVID-19, vocês decidiram
suspender a prestação de serviço para proteção da saúde de ambos. A diarista
não está fazendo faxina na sua casa, porque não pode. Estamos em cenário de
guerra, lembram?
Parece justo você economizar o dinheiro ou aumentar
seu consumo, sendo que, para ela, esta é sua única fonte de renda?
Se ela não recebe, vai se esforçar para reduzir ao
máximo seu consumo. Sabe o pão da padaria que todo mundo compra baratinho perto
de casa? Ela vai evitar.
O padeiro, cuja venda do pãozinho é sua única fonte de
renda, também será afetado. Com o passar do tempo, provavelmente sem conseguir
mais manter a estrutura do seu negócio, vai precisar desligar funcionários:
mais pessoas sem renda!! E esses funcionários também provocarão o mesmo efeito
em cascata com as coisas que consomem.
Notem o ciclo vicioso que foi criado.
Nós podemos fazer diferente. De novo, o que é justo para
cada um é relativo. Não cabe impor nenhum certo ou errado.
Mas, queríamos propor o desafio de enfrentarmos
o homu economicus, auto interessado e maximizador de seus
próprios resultados individuais, que a economia diz refletir as decisões do ser
humano.
E se nesse momento de
vulnerabilidade, fizermos a diferença com quem pudermos, aonde pudermos?
Há muitas pessoas próximas a nós que poderão entrar em
situação econômica muito difícil nos próximos meses e, alguns de nós podem
ajudar, simplesmente se não mudarem a forma como pagam suas contas.
“It’s the economy, stupid!” é uma das mensagens
que os marketeiros da campanha de Clinton focaram para garantir sua eleição
para presidente dos EUA, mostrando a importância da economia para sua vitória.
Para nossa vitória sobre o COVID-19, porém, precisamos
ir além da economia. Precisamos de compaixão, empatia e solidariedade.
Estaremos juntos quando tudo isso acabar.
* texto em parceria com Mariana Palandi, economista e
professora de yoga. Escreve no
portal https://medium.com/@mariana.palandi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário