Acabo de retornar de um período de trabalho de 15 dias no Quênia. O foco neste período não foi acadêmico porém é difícil ficar um tempo razoável fora do Brasil sem examinar alguns aspectos da economia deste país que me hospedou neste tempo.
Pouco antes da viagem, um colega de trabalho recomendou o paper Mobile Money, The Ecomics of M-PESA, de autoria de William Jack e Tavneet Suri do MIT. A palavra PESA significa dinheiro na linguagem swahili, falada no Quênia e em diversos outros países do continente africano. O M-PESA é o principal (mas não o único) sistema de pagamentos via telefone celular do país.
Lançado em 2007 no Quênia pela empresa de telefonia Safaricom (integrante do Grupo Vodafone), cresceu rapidamente e hoje é utilizada por mais de 70% da população. O sistema funciona de forma bastante simples, basta ter um chip da operadora telefônica e realizar a compra de créditos numa loja ou pela internet. Os pagamentos são processados via SMS e pode ser utilizado tanto para compra de bens e serviços como para transferência de recursos entre os cidadãos quenianos.
Um dos motivos do rápido crescimento é tecnológico, seja pela expansão do uso do telefone celular como pela escassez de caixas eletrônicos em regiões pouco desenvolvidas, o que dificulta o acesso a papel moeda. A utilização de máquinas de cartão de débito e crédito também é pequena uma vez que muitos destes aparelhos demandam acesso à internet.
Outro fator importante num país subdesenvolvido é a segurança, uma vez que manter papel moeda seja na sua carteira ou num cofrinho na sua casa não é algo tão trivial quando grande parte das pessoas sobrevive com um salário mensal de USD 70 e dada a situação de extrema pobreza há mesmo entre os cidadãos locais alguma sensação de insegurança.
Por fim, há também um efeito de redistribuição de renda que estimulou a utilização do Mobile Money, como o acesso à crédito é ainda muito limitado no Quênia, o paper do MIT indica que muitas transações do M-PESA ocorrem entre pessoas com algum laço familiar ou em reciprocidade, o que indica a existência de pequenos empréstimos efetivados por meio da moeda virtual.
O crescimento do Mobile Money indica um pequeno paradoxo causado pelo evolução tecnológica e do próprio sistema capitalista (você gostando ou não dele). Nesse caso, o desenvolvimento de ferramentas como o telefone celular e o mercado de meio de pagamentos permitiu o florescimento de uma forma sofisticada de efetivação de transações financeiras, justamente numa região extremamente carente.
Neste sentido há vários outros exemplos em que a população mais pobre utiliza com maior ênfase meios mais sofisticados do que pessoas abastadas: telefone móvel x telefone fixo, alimentos com conservantes x alimentos orgânicos, roupas manufaturadas x alfaiataria e pagamentos via mobile money x pagamentos em papel moeda. Em todos estes casos, a alternativa mais tecnológica é adota massivamente pelas pessoas de menor poder aquisitivo.
Dessa forma, o capitalismo por se sustentar no "consumo em massa" acabou por beneficiar de forma mais intensa o acesso de pessoas de menor renda à bens intensivos em tecnologia. Muitos podem argumentar que este benefício se deu às custas de tirar os meios de produção do proletariado, porém é difícil acreditar que o antigo sistema de produção artesanal tivesse condições de disponibilizar uma grande oferta de bens e serviços a preços acessíveis para tanta gente como observamos no sistema capitalista de produção atualmente.
Não à toa, apenas a camada mais rica da sociedade consegue se dar ao luxo de retornar aos primórdios e consumir nos dias de hoje produtos artesanais, os quais possuem um custo de produção mais elevado e uma oferta limitada.
O acesso à produtos intensivos em tecnologia mesmo num país subdesenvolvido é sem dúvida uma constatação do potencial do sistema capitalista de impactar positivamente a vida das pessoas. Isso não quer dizer que o sistema é perfeito, há ainda muito que melhorar em termos de equidade e distribuição de renda, porém é inegável que mesmo num país pobre há espaço para melhorias significativas na vida da população por meio da inovação e do livre mercado.
O acesso à produtos intensivos em tecnologia mesmo num país subdesenvolvido é sem dúvida uma constatação do potencial do sistema capitalista de impactar positivamente a vida das pessoas. Isso não quer dizer que o sistema é perfeito, há ainda muito que melhorar em termos de equidade e distribuição de renda, porém é inegável que mesmo num país pobre há espaço para melhorias significativas na vida da população por meio da inovação e do livre mercado.
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